Medo de contágio esvazia setores de hospitais e laboratórios privados
· Medo de contágio esvazia setores de hospitais e laboratórios privados
Pacientes com outras doenças deixam de buscar atendimento
Enquanto
os números de casos e de mortes causadas pelo novo coronavírus não param de
aumentar, hospitais particulares, laboratórios e clínicas de diagnóstico por
imagem enfrentam um paradoxo: pacientes com outras doenças estão deixando de
buscar atendimento por medo da covid-19. A situação, segundo entidades que
representam os estabelecimentos, ameaça o equilíbrio financeiro do setor de
saúde suplementar.
Segundo
a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o número de exames
realizados caiu cerca de 80% desde que o novo coronavírus começou a se
espalhar pelo país, entre o fim de fevereiro e o início de março. As cirurgias
caíram pela metade. De acordo com o diretor executivo da entidade, Marco
Aurélio Ferreira, a realização de procedimentos cirúrgicos corresponde a quase
50% do faturamento dos hospitais particulares.
A
Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) informou que as
clínicas de diagnóstico por imagem registraram queda na procura de 70%, em
média. Nos laboratórios clínicos, o atendimento caiu, em média, 60% se
comparado ao movimento do mesmo período de 2019.
“É uma
queda expressiva e generalizada. Há laboratórios operando com apenas 20% de sua
capacidade”, disse à Agência Brasil a diretora executiva da Abramed, Priscilla
Franklin Martins. “A associação vem conversando com o Ministério da Economia,
buscando alternativas como uma linha de crédito do BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social], que possa aliviar os empresários que
precisam encontrar meios para manter seu quadro de funcionários e arcar com os
custos fixos. Até porque, na hora em que esta pandemia passar, a demanda
represada virá e precisaremos de capacidade para atendê-la”, disse a executiva.
Além do
apoio financeiro do banco público, a Anahp e a Abramed defendem que a população
seja informada sobre a importância de não interromper tratamentos continuados,
bem como da “segurança” de se submeter aos chamados procedimentos eletivos
(considerados menos urgentes) e a exames clínicos. De acordo com Ferreira e com
Priscilla, o objetivo é garantir não só a saúde financeira dos estabelecimentos
particulares, mas também evitar que os pacientes interrompam ou adiem o início
de tratamentos.
“Pedimos
muito à ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] que flexibilizasse um pouco
sua orientação inicial sobre as cirurgias eletivas porque os hospitais estavam
se esvaziando. Na última semana, a agência divulgou nota estimulando as pessoas
a cuidarem da saúde, recomendando que os pacientes não interrompam os
tratamentos. Desde então, já pudemos sentir certo aquecimento no movimento”,
comentou Ferreira, referindo-se a um comunicado que a autarquia divulgou.
Na
nota, a ANS alerta sobre o risco da interrupção de tratamentos continuados e
sobre a obrigatoriedade do pronto atendimento em casos urgentes. A agência
também esclarece que, apesar da pandemia e das orientações de
distanciamento social, jamais recomendou a suspensão ou proibiu a realização de
internações e cirurgias eletivas.
“Acreditamos
que chegamos a um bom ponto”, disse Ferreira. “Agora, estamos trabalhando
nestas três frentes: a retomada dos procedimentos eletivos, a continuidade do
diálogo com as operadoras de planos de saúde - às quais pedimos que mantenham
seus pagamentos em dia - e a busca da abertura de linhas de crédito do BNDES”.
MEDO
O
diretor da Associação Médica Brasileira (AMB), José Bonamigo, disse que muitos
pacientes adiaram não só os atendimentos mais simples, mas também os de maior
complexidade – o que, segundo ele, deixou ociosos alguns serviços médicos não
voltados ao atendimento de pessoas com síndromes respiratórias – inclusive
em algumas unidades públicas.
“Há
muitos hospitais e clínicas de medicina diagnóstica particulares querendo
desesperadamente retomar suas atividades porque estão enfrentando dificuldades
financeiras devido à redução expressiva do número de atendimentos. Temos
notícias de que, em São Paulo, alguns hospitais reduziram a carga horária de
alguns profissionais. E até mesmo de alguns casos de demissões – o
que parece surpreendente considerando o momento”, afirmou Bonamigo.
Marco
Aurélio Ferreira, da Anahp, diz não ter conhecimento de demissões em hospitais
particulares. “Estamos vendo muitos hospitais privados contratando
profissionais para o lugar daqueles que foram atingidos pelo novo coronavírus.
Hoje, cerca de 3% dos nossos profissionais [que atendem a pessoas infectadas
pelo novo coronavírus ou suspeitas de terem contraído a covid-19] estão
afastados por causa da doença ou da suspeita de estarem doentes. A respeito de
demissões em outros setores [cujos médicos não atendem aos infectados], não
tenho informação”.
O
diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Gerson Salvador,
confirma as demissões, embora afirme que a entidade não tem números. De acordo
com Salvador, os maiores prejudicados foram os profissionais que atuam com procedimentos
eletivos, entre eles anestesistas – informação mencionada também por Bonamigo,
da AMB. “Um absurdo, pois ninguém tem tanta habilidade ao entubar um paciente
quanto esses médicos, que podem vir a ser fundamentais na linha de frente do
tratamento de pessoas com a covid-19”, diz Salvador.
INTERRUPÇÃO
Vários
dos entrevistados pela Agência Brasil mencionaram o receio de que, ao evitar
hospitais e laboratórios clínicos, muitas pessoas interrompam tratamentos ou
adiem o diagnósticos de doenças, retardando, desnecessariamente, o início da
terapia.
“As
pessoas estão com medo de ir aos laboratórios. O que é preocupante”, disse
Priscilla. “Os pacientes estão receosos de buscar atendimento para outras
doenças, o que pode resultar em agravos à saúde. Temos observado pessoas com
quadros preocupantes, como dor torácica ou sintomas neurológicos, retardando a
ida ao hospital por medo de se contaminar”, reforçou Bonamigo.
Para
Daniel Knupp, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
(SBMFC), a situação é preocupante. “As pessoas não podem deixar de fazer
algumas consultas e procedimentos, caso contrário as consequências podem ser
piores. Mas é bom lembrar que em momento algum houve orientação para que esses
atendimentos fossem interrompidos. A recomendação foi para que fossem adiadas
as cirurgias eletivas, como, por exemplo, uma cirurgia plástica.
Quem
tem uma insuficiência renal, disse Knupp, não pode ficar sem controlá-la.
"Quem tem um câncer não pode deixar o tratamento de lado. Há pacientes com
transtornos de ansiedade que vão precisar aumentar a dose de medicamentos por
causa de toda esta situação; pacientes com hipertensão...enfim, a dificuldade,
muitas vezes, está nos serviços conseguirem se organizar para atender às
pessoas com síndromes respiratórias ou com suspeita de coronavírus, ao mesmo
tempo em que oferecem assistência às demais”.
Para
Salvador, do Simesp, compete ao Estado estabelecer diretrizes e “organizar” a
oferta, levando em conta a demanda pelos serviços de saúde.
“Estamos
vendo uma parte do sistema de saúde sobrecarregada e outra parte ociosa, o país
precisando de leitos hospitalares e de mão de obra qualificada. Então, cabe ao
Estado assumir a gestão e distribuir esses recursos de maneira igualitária para
que um paciente que precise de um leito, por qualquer motivo, seja atendido,
independentemente se no sistema público ou no privado. O que não podemos é ter
gente morrendo por falta de leitos enquanto há setores ociosos em hospitais e
médicos sendo demitidos”, disse Salvador, manifestando o receio de que, a
título de socorrer hospitais e laboratórios privados, pessoas sejam
incentivadas a procurar ajuda, mesmo em casos que podem ser adiados sem maiores
riscos.
“É
preciso cuidado para que um estímulo à retomada de procedimentos eletivos não
represente apenas a preocupação com os lucros imediatos. Por isso, a meu ver, o
melhor, por ora, é que os recursos privados estejam à disposição do SUS
[Sistema Único de Saúde], com os estabelecimentos privados sendo devidamente
remunerados por isso”, propôs Salvador.
A Anahp
minimiza os riscos. “Há, nos hospitais, estruturas diferenciadas, preparadas
para atender os casos da covid-19 e outras estruturas separadas, nas quais são
tomados todos os cuidados necessários ao atendimento dos outros pacientes. Os
hospitais estão preparados e têm dado provas disso. É preciso levar em conta a
realidade local. Se houver mais casos da covid-19, é óbvio que todos os demais
serviços devem ser paralisados. Caso contrário, vamos atender aos outros
pacientes”.
Ministério da Saúde
Consultado,
o Ministério da Saúde informou que, “devido ao momento de emergência em saúde
pública, tem orientado os gestores, por meio de notas técnicas, a manter os
atendimentos essenciais, suspendendo ou adiando aqueles procedimentos eletivos
que não necessitam de urgência para realização”. O objetivo, segundo a pasta,
“é desafogar os leitos para casos graves da covid-19 e as demais situações
emergenciais do sistema de saúde”.
“Além
disso, o acompanhamento de pacientes de outras doenças pode ser mantido por
meio de outras alternativas”, sustenta o ministério, sem fazer distinção entre
serviços públicos e privados. “Os gestores locais podem optar por iniciativas
como a telemedicina, visitas domiciliares, fazer busca ativa de pacientes que necessitam
ter suas doenças controladas, atendimento em áreas separadas dos casos da
covid-19, entre outras, de acordo com a realidade local e com as medidas de
precaução adequadas”.
Edição:
Graça Adjuto
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