História e dor de São Paulo, capital.
Cerâmicas de mais de 200 anos revelam o passado de São Paulo
Objetos encontrados por arqueólogos na capital paulista e em
São José dos Campos indicam a influência de culturas indígena e africana na
fabricação de cerâmicas entre os séculos XVII e XIX
BRUNO DE PIERRO | Edição Online 16:11 6 de outubro de 2014
© MARCOS ISSA
Foram coletadas 50 mil peças arqueológicas no bairro de
Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Os fragmentos de cerâmica são do século
XVII
Fragmentos
de cerâmica do século XVII, encontrados em Pinheiros, zona oeste de São Paulo,
indicam que no local funcionou uma olaria – a mais antiga já encontrada na
cidade. No total, foram coletadas 50 mil peças arqueológicas, entre elas restos
de oito fornos e objetos de cerâmica utilizados na forma de utensílios
domésticos, como uma provável forma de bolo de mais de 200 anos. Parte desse
material está sendo apresentado ao público em uma exposição itinerante, que
entre os dias 06 e 12 de outubro estará no Largo da Batata, em Pinheiros.
Além
dos vestígios originais, a exposição “Mãos no barro da cidade: uma olaria no
coração de Pinheiros” terá réplicas feitas com resina, para que possam
ser manipuladas pelo público, e também recursos tecnológicos de realidade
aumentada, que combina elementos virtuais com o ambiente real. Utilizando um tablet ousmartphone,
é possível baixar um aplicativo que permite o visitante visualizar imagens de
peças arqueológicas em 3D. Leia as instruções de como baixar o aplicativo no site da Zanettini Arqueologia.
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ZANETTINI ARQUEOLOGIA
Usando
tablet ou smartphone, o visitante pode baixar um aplicativo que permite a
visualização em 3D das peças
A
antiga olaria foi identificada num quarteirão entre as ruas Amaro Cavalheiro,
Butantã e Paes Leme em 2010, por arqueólogos contratados por uma incorporadora
imobiliária. O local está próximo das margens do rio Pinheiros, uma fonte
abundante de barro e também importante via de transporte na época. Tais fatores
contribuíam para que Pinheiros, um dos primeiros aldeamentos fundados pelos
jesuítas ao redor da Vila de Piratininga, se tornasse um polo da fabricação de
objetos de cerâmica utilizados em outras regiões da capitania.
©
MARCOS ISSA
Com
mais de 200 anos, a forma de bolo foi encontrada em Pinheiros, bairro da
capital paulista
“Cerca
de 80% do material encontrado eram pedaços de potes, travessas e bules de
barro, usados no cotidiano das comunidades locais”, diz Paulo Zanettini,
arqueólogo responsável pelas escavações. “Ter acesso a esses utensílios nos
permite recuperar a história de São Paulo levando em consideração personagens
esquecidos. Podemos, assim, compor um quadro complexo em torno da dinâmica
econômica e social da cidade no passado”, diz ele.
Segundo
Zanettini, embora algumas peças apresentem formato europeu, por conta da
presença dos colonizadores portugueses, a decoração dos potes recebeu influência
indígena e africana, por conta da mão de obra utilizada nas olarias. “A
cerâmica utilizada não era a mesma dos indígenas, o que mostra que havia uma
diversificação de técnicas devido à mistura de conhecimentos envolvidos na
fabricação dos objetos”, diz Zanettini. Para Paulo DeBlasis, pesquisador do
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), a
descoberta da antiga olaria pode ajudar a refinar pesquisas sobre a exploração
de mão de obra indígena e africana em São Paulo entre os séculos XVII e XIX. “A
região de Pinheiros tinha muitos aldeamentos indígenas, onde tradicionalmente a
confecção de artigos domésticos era feita pelas mulheres. Provavelmente, a
presença feminina foi também aproveitada nas olarias”, explica DeBlasis.
©
MARCOS ISSA
Peças
de cerâmica encontradas nas escavações de um empreendimento imobiliário em Pinheiros,
zona oeste de São Paulo
O
pesquisador da USP ainda chama atenção para outro fato. Segundo ele, descobertas
desse tipo, em grandes centros urbanos como São Paulo, só são possíveis graças
à contratação de empresas que realizam escavações arqueológicas em áreas de empreendimentos,
a chamada arqueologia empresarial. “Oportunidades de intervir no subsolo numa
região de tráfego intenso e grande especulação imobiliária como Pinheiros por
uma motivação essencialmente acadêmica não aconteceriam”, diz ele. Isso porque
uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 1986 determinou
que a arqueologia fizesse parte dos estudos de impacto ambiental (ver Pesquisa FAPESP nº 206). Até então,
ela era restrita à pesquisa acadêmica. Com a medida, empreendimentos
imobiliários e grandes construções, como a de linhas de metrô, são obrigadas a
contratar empresas de arqueologia antes do início das obras.
Identidade
escondida
A influência indígena e africana na fabricação de cerâmicas no Brasil pode revelar muito mais do que traços de uma miscigenação imposta. Ao menos na decoração de potes feitos por escravos trazidos da África entre o século XVIII e XIX, é possível identificar o esforço de manter viva a identidade cultural combatida pelos colonizadores. É o que mostra uma outra exposição arqueológica, aberta ao público no Sesc São José dos Campos até o dia 14 de dezembro.
©
ALINE MAZZA
Pote
de cerâmica encontrado no sítio da cidade de São Sebastião, litoral paulista,
com decoração feita por escravos
Fruto
de um trabalho liderado pelo arqueólogo Wagner Bornal, a exposição apresenta
materiais que foram coletados no sítio São Francisco, em São Sebastião, litoral
de São Paulo, ao longo de 20 anos. O local foi território para uma fazenda de
cana-de-açúcar e, posteriormente, de café – e por lá passaram centenas de
escravos africanos e senhores de engenho.
“Entre
os utensílios trazidos da Europa, encontramos artigos de cerâmica produzidos
por africanos que trabalhavam na fazenda”, conta Bornal. Nessas peças, os elementos
decorativos retratam as escarificações corporais, isto é, as marcas de diversas
tribos africanas. “Cada etnia na África faz uma marca no corpo. Quando os
africanos eram trazidos para cá, eles tinham que abolir essas marcas. Uma forma
de resistir às imposições da escravidão foi decorar as cerâmicas com os mesmos
símbolos tribais”, explica Bornal.
O
pesquisador conta que o objetivo da exposição é introduzir um novo olhar sobre
o negro na sociedade brasileira. Por isso, a mostra tem um apelo artístico e
científico. “Mesmo na condição de escravo, o negro tinha uma identidade, uma
cultura que era mantida viva de forma dissimulada”, diz Bornal. O trabalho, que
já possibilitou a elaboração de várias teses de doutorado, reuniu mais de 150
mil peças de uma área de cerca de 1,2 milhão de metros quadrados.
Serviço
- Exposição Mãos no barro da cidade: uma olaria no coração de Pinheiros.
De 6 a 12 de outubro, no Largo da Batata, em Pinheiros, São Paulo.
O horário de funcionamento da mostra é sempre das 10h às 17h. A entrada é gratuita.
- Exposição Mãos no barro da cidade: uma olaria no coração de Pinheiros.
De 6 a 12 de outubro, no Largo da Batata, em Pinheiros, São Paulo.
O horário de funcionamento da mostra é sempre das 10h às 17h. A entrada é gratuita.
– Exposição Signos da identidade negra: uma conexão
entre o mundo visível e o invisível
De 4 de outubro a 14 de dezembro, no Sesc São José dos Campos (SP). Grátis.
Para obter mais informações sobre a mostra pode ser obtidas pela página eletrônica do Sesc de São José dos Campos.
De 4 de outubro a 14 de dezembro, no Sesc São José dos Campos (SP). Grátis.
Para obter mais informações sobre a mostra pode ser obtidas pela página eletrônica do Sesc de São José dos Campos.
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