O mapa da historia.
As
primeiras formas da província
Impresso
em Paris, primeiro grande mapa de São Paulo facilitou o planejamento de
estradas e a ocupação do território.
CARLOS FIORAVANTI e RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
ED. 235 | SETEMBRO 2015
Mappa chorographico da provincia de São Paulo, de
1841: consultado por administradores públicos, intelectuais e viajantes.
O oeste paulista aparece como “sertão
desconhecido”, sem nenhuma menção às populações indígenas, mas a região próxima
ao litoral está bastante detalhada no Mappa chorographico da provincia de
São Paulo, a primeira carta impressa a representar toda a província de São
Paulo e a se tornar um instrumento de gestão do território. Impressas em Paris
em 1841, as primeiras cópias – cerca de 100 – chegaram no ano seguinte às mãos
dos deputados da Assembleia Legislativa, que desde 1835 ansiavam por mapas para
administrar a província, após conquistarem relativa autonomia tributária com as
reformas constitucionais decorrentes da abdicação de dom Pedro I, em 1831.
O engenheiro militar Daniel Pedro Müller foi o
escolhido para fazer o mapa. “Em 1835, Müller era o engenheiro militar mais
experiente e preparado na província de São Paulo para a execução daquela
tarefa”, avalia José Rogério Beier, historiador que estuda o mapa desde 2012 na
Universidade de São Paulo sob a orientação da professora Iris Kantor. Müller
baseou-se em notas pessoais e em observações de outros engenheiros a serviço da
Coroa para fazer sua própria representação gráfica da província paulista, que
naquela época incluía parte do atual estado do Paraná.
Mapa equivocado: atribuído a Müller, mas sem
confirmação de autoria, e o povoado de Pinheiros deve ser a atual cidade de
Valinhos.
Nascido em Portugal, filho de pais alemães, Müller
cursou a Real Academia de Marinha de Portugal e se mudou para o Brasil em 1802,
aos 17 anos, como ajudante de ordens do governador da capitania. Como
engenheiro, fez várias obras, como a estrada do Piques, atual rua da
Consolação, e o chafariz do atual largo da Memória, no Anhangabaú. Como
militar, Müller participou da campanha contra uma ameaça de ataque dos
espanhóis em 1819 e da guerra da Cisplatina, contra a Argentina, em
1825. Como marechal de campo reformado, voltou a São Paulo. Em 1835 a
recém-instituída Assembleia Legislativa fez a ele uma encomenda dupla:
organizar as estatísticas e preparar um mapa da província.
“A encomenda de um mapa e de um levantamento
populacional e econômico pela Assembleia Legislativa sugere uma preocupação da
elite política com a ocupação do território, o desenvolvimento da
infraestrutura viária e de comunicação com o porto de Santos e com a capacidade
de expansão da ocupação do território no sentido oeste”, comenta Iris. “O
levantamento e a carta desenhada por Pedro Müller permitiram aos governantes
paulistas consolidar um projeto de autonomia e de afirmação dos interesses
econômicos a partir de 1835”, conclui Beier.
Obelisco no largo da Memória, centro de São Paulo:
uma das obras de Müller
O mapa, que media 102,4 por 151,6 centímetros, por
falta de uma tipografia adequada no Brasil, foi enviado para Paris, então um
centro mundial de produção cartográfica. As cópias “circularam não só entre
órgãos da administração provincial e da corte, mas também entre academias de
ciências, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, intelectuais e
viajantes, como sir Richard Francis Burton”, observou Beier em um artigo
publicado em 2014 na revista Tempos Históricos.
Em meio às pesquisas, ele encontrou um mapa
atribuído a Müller no Arquivo Público do Estado de São Paulo, indicando um
caminho novo a ser aberto para um povoado chamado Pinheiros, e o examinou com
Élzio José da Silva, coordenador da seção de cartografia do arquivo. “Não
encontramos nenhuma evidência de que tenha sido feito por Müller. Não há
assinatura e a caligrafia não corresponde à do marechal de campo reformado”,
diz Beier. “Mais ainda, o mapa não descreve um caminho para o atual bairro de
Pinheiros, em São Paulo, mas sim para uma povoação próxima à então vila de São
Carlos, atual Campinas. O povoado de Pinheiros, representado no mapa, deve ser
a atual cidade de Valinhos, que à época era conhecida como Pouso dos
Pinheiros.” Müller tinha uma casa próxima ao rio Pinheiros. Em 1842, endividado
e angustiado, ele se suicidou, afogando-se no rio.
Nenhum comentário: