É uma benção a oportunidade
Merendeiras
da periferia de SP vão ao Senegal dividir experiências sobre alimentação
escolar
Vanessa
Martina Silva | São Paulo - 31/12/2015 - 06h00
Elas ganharam concurso da Prefeitura de São Paulo com um 'arroz
colorido' e foram a Dacar mostrar o que fazem para a comunidade escolar local
Ainda é São Paulo capital, mas
Parelheiros — a cerca de 40 quilômetros da praça da Sé — assemelha-se a uma
cidade do interior. Em vez de prédios, congestionamento e poluição, o bairro
tem vegetação nativa, nascentes e uma importante produção familiar de
alimentos. Distante do centro e com poucas opções de transporte público, é
também uma das regiões mais pobres da cidade, onde o rendimento médio mensal é
de R$ 888,32 por pessoa, segundo dados do IBGE.
Prefeitura
de São Paulo
Merendeiras Maria Aparecida e Claudia de Jesus Silva durante atividade em Dacar
No coração de Parelheiros, no
final da rua Cinco, sem saída, está a escola de onde saíram as vencedoras do
concurso “Educação Além do Prato”, realizado pela Prefeitura de São Paulo, que
premiou as melhores receitas apresentadas pelas escolas da rede municipal.
Juntas, a merendeira Maria Aparecida Gomes Martins e a professora Sonia Maruso
Ribeiro cruzaram o Atlântico para apresentar, a convite da ONU, a receita
vencedora de arroz colorido (veja a receita no fina da reportagem) em Dacar,
capital do Senegal, durante o Encontro Regional da África Ocidental sobre
Segurança Alimentar.
A ideia do concurso surgiu no DAE
(Departamento de Alimentação Escolar) como uma tentativa de aproximar a
comunidade escolar do debate em torno da necessidade de uma alimentação
saudável. No total, 292 escolas — desde creches até EJAs (Educação de Jovens e
Adultos) e escolas indígenas — participaram da disputa e foram oferecidos três
níveis de premiação: viagem ao Senegal (1º lugar), viagem a Brasília (2º lugar)
e jantar em um renomado restaurante de comida brasileira (3º lugar).
Prêmio outorgado às escolas vencedoras| Foto:
Vanessa Martina Silva
Além de Maria Aparecida e Sonia da Emei (Escola
Municipal de Educação Infantil) Recanto Campo Belo - Professora Dirce Zillesg
Borges, as vencedoras do CEI (Centro de Educação Infantil) Penha Bom Jesus — a
merendeira Claudia de Jesus Silva e a pedagoga pós-graduada em educação
infantil e cultura Vivian Brandão Polli — também participaram da viagem a
Dacar.
No que se refere à alimentação
escolar, o Brasil é uma referência mundial, sobretudo no continente africano,
que está buscando implementar modelos para melhorar a oferta de alimentos. Por
essa razão, a ONU convidou as vencedoras do programa para expor suas
experiências para ministros de Educação de 27 países da África Ocidental
reunidos em Dacar entre 8 e 12 de junho.
Sobre a apresentação, Maria
Aparecida lembra que foi uma experiência "muito boa". "Ouvimos
muita coisa e a nossa apresentação… alguns choraram quando falamos que aqui as
crianças fazem três refeições por dia. Lá eles comem uma ou duas vezes
só."
Já Sonia ressalta que “alguns
países já têm políticas públicas formuladas e estão implantando a alimentação
escolar. Outros ainda dão um voucher para que as famílias comprem alimentos.
Com nossa experiência, procuramos dar esperança e eles já começaram a se
organizar em rede. Isso é importante”.
Reprodução/Youtube
Crianças participaram de oficinas culinárias, confecção de jogos e
conscientização para evitar desperdício de alimentos
Após o evento, em 12 de junho, 21
países aprovaram a criação de uma Rede Africana de Alimentação Escolar, cujo
objetivo é estimular e aprimorar as políticas de alimentação escolar e o
aumento do orçamento dos países destinados a esse fim.
Senegal
Participar do projeto foi fácil.
Difícil foi convencer Maria Aparecida, que trabalha há 12 anos na Emei Recanto
Campo Belo, a receber o prêmio. "Eu não queria ir. Era longe e eu estava morrendo
de medo, nunca tinha andado de avião”, conta. Mas, o incentivo das outras
merendeiras, das professoras e direção da escola a fez mudar de ideia.
WFP/Mariana
Rocha
Em Senegal, mães se revezam durante a semana para preparar a alimentação das
crianças
Para a pedagoga, especialista em
educação infantil e pós-graduada em docência superior Sonia, a questão não era
o avião, nem o medo da viagem, mas o ceticismo. “Só caiu a ficha que eu iria no
dia que eu estava no aeroporto. Até então era algo que eu não conseguia
sentir”, disse.
WFP/Mariana
Rocha
Delegação brasileira conheceu a escola primária de Oudiour, localizada a cerca
de 160 km de Dacar, no Departamento de Gossas
Questionada sobre o que mais
chamou sua atenção na viagem, Sonia diz que foi a aridez do ambiente e a falta
de natureza. “Eu vi somente uma flor, a primavera, na ilha de Gorée, e apenas
uma árvore verde. Dentro da escola tinha uma imensa árvore e as conversas
aconteceram embaixo dela”.
O bate-papo ficou na memória,
conta. A experiência da escola de Parelheiros, que há anos mantém, com o
auxílio de professores e alunos, uma horta nas dependências do prédio, inspirou
a comunidade local. Mas, as dificuldades que enfrentam são muitas, afirma
Sonia. “O prefeito de Oudiour disse: ‘eu tenho uma escola; tenho um espaço de
três hectares; tenho um poço; tenho uma bomba que vai a 20 metros e tenho água,
que está a 100 metros. Eu não quero dinheiro, quero uma bomba’. Até hoje a
gente se comunica por WhatsApp [com as outras colegas que também viajaram] e se
pergunta: ‘e a bomba?’”, conta.
Vanessa
Martina Silva
Morango, alface e couve são algumas das produções da horta da Emei Recanto Belo
Esperança
“Foi uma experiência que marcou a
minha vida. Entrou uma Sonia no avião e saiu outra”, avalia a professora. “Tem
questões que vieram comigo para o Brasil, que me tiram o sono. Temos uma
riqueza muito grande que não aproveitamos e até desperdiçamos. Então se eu
colocar lado a lado Brasil e Senegal e olhar o desperdício, ele soa como uma
afronta”.
Depois de tudo o que viu e viveu,
Sonia não considera que tenha recebido do programa uma premiação. “Eu não vejo
como um prêmio, vejo como uma missão. Não sei se eu vou voltar para Senegal,
mas eu gostaria de voltar e ver a horta da escola verdinha…”.
A mesma percepção é compartilhada
por Maria Aparecida: “Não me arrependo. Se for para ir de novo, eu vou. Eu
volto pra África”. E conclui, observando que “a gente reclama muito, mas no
fundo somos ricos perto do que vimos lá. Na nossa escola às vezes falta uma
salsinha e eu reclamo, mas lá o tempero é só pimenta. Aqui as crianças têm três
refeições por dia, lá uma ou duas apenas”.
Receita
Arroz Colorido
Maria
Aparecida e o arroz colorido| Foto: WFP/Mariana Rocha
Ingredientes:
- 20 quilos de arroz cozido
com óleo, temperado com alho, cebola e sal;
- 20 unidades de cenouras grandes cozidas na água e sal;
- 15 unidades de beterrabas médias cozidas na água e sal;
- 8 maços de couve ou espinafre aferventados na água e sal;
- 20 unidades de cenouras grandes cozidas na água e sal;
- 15 unidades de beterrabas médias cozidas na água e sal;
- 8 maços de couve ou espinafre aferventados na água e sal;
Para
decorar:
- 2 quilos de tomate picado;
- 1 maço de salsinha picada para decorar;
Opcional:
- 10 unidades de ovos cozidos fatiados
- 1 maço de salsinha picada para decorar;
Opcional:
- 10 unidades de ovos cozidos fatiados
Modo de
preparo:
Dividir o arroz em três partes
iguais. Passar separadamente as cenouras, as beterrabas e o espinafre cozidos
na peneira ou no liquidificador. Após misturar a cenoura no arroz, reserve e
faça este procedimento com os outros ingredientes. Depois monte em uma
assadeira cada parte do arroz em camadas sobrepostas ou coloque-os em camadas
conforme as cores, lado a lado. Decorar com tomate e salsinha picados e levar
ao forno para gratinar. Se desejar, coloque fatias de ovos cozidos sobre a
preparação final, para decorar.
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